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Entrevistas

Programa de Exposições 2018: Janaina Barros e Wagner Leite Viana

Dupla selecionada para o Programa de Exposições 2018, Janaina Barros e Wagner Leite Viana expõem, na mostra atual, Mau olhado – Bem olhado, trabalho que se articula ao projeto dos artistas de enfrentamento contra a negação das narrativas hegemônicas, afirmando o corpo negro, seus afetos, famílias e políticas, “por meio de uma visualidade plástica que foge necessariamente de discursos correntes sobre negritude”.

 

Como se dá plasticamente, no trabalho de vocês, a discussão a respeito das violências que incidem sobre os corpos negros?
Partimos inicialmente da performance como um campo reflexivo de como as violências, ou as camadas de violências, incidem sobre os diferentes corpos negros. Nesse sentido, quando pensamos algo simbólico como um bolo, e sobre ele colocamos uma série de palavras de origem bantu que aparecem de modo subalternizado ou destituído do seu contexto original na cultura brasileira, trata-se de falar de relações de poder por meio da palavra, por meio dos corpos, por meio do apagamento de histórias. Numa publicação de artista este bolo aparece como uma espécie de isca para uma armadilha, pois, ao mesmo tempo em que ele parece ser oferecido por nós em algum momento, não comemos dele ou aceitamos qualquer narrativa que não partilhamos de sua escrita. A inscrição do termo Mau olhado – Bem olhado na imagem de um guardanapo e na capa do livreto busca tensionar construções históricas hegemônicas, mas reafirma o local de nossa autoridade sobre como queremos escrever a nossa história a partir do texto/roteiro de uma performance. Quando perguntamos “Nossa fala e nossos gestos são capazes de promover o avanço para além do corpo – objeto e corpo – sujeito para permanecermos como pessoas?” ou ainda “Ao falar sobre violência é possível nos despir delas?”, propomos, neste roteiro de performance, um diálogo necessário entre pessoas brancas e negras e entre pessoas negras sobre como é necessária a reescrita de todas as  histórias tornadas oficiais, localizando os modos de como vemos e como somos vistos a partir de um lugar que não abarca as nossas subjetividades. No trabalho Receita para dar o troco as duas vestimentas com a predominância do vermelho, utilizadas na instalação, sugerem o corpo como elemento da ação. Quando olhamos para o folheto instaura-se outra escala, transitando para um regime de redistribuição dessas diferentes formas de violências, de modo que no roteiro o acontecimento ali descrito pode ser replicado inúmeras vezes. Do mesmo modo, aparece a imagem destas vestes na fotografia e numa lâmina destacável da publicação. Há, também, o procedimento técnico pelo uso do carimbo em guardanapos com o texto Relação é depois de comer juntos um quilo de sal em pratos bem temperados. Ou, ainda, a instalação Aprumar-se, em que aparecem uma forquilha e uma haste de galho de árvore com uma corda amarrada no centro e na sua base uma pedra grande que retoma esta ideia de estratégia. Há uma tensão entre um objeto bruto, uma pedra, sobre uma toalha de crochê. Um objeto em estado de espera que estabelece relações entre trabalho, cuidado, colaboração, como uma narrativa do que precisamos fazer juntos. Os modos do fazer em arte que refletem nossos processos de formalização artística. Apresenta-se, também, em conjunto, o registro fotográfico da ação Aprumar-se, que realizamos anteriormente. Refletimos sobre o lugar do registro, da memória e da inscrição de nossos corpos e afetos. E, por fim, a videoperformance O cântico da Paixão de Claudia, na qual apresentamos a fatídica história de Cláudia Silva Ferreira, que, ao longo de uma narrativa hegemônica e desumanizadora, teve apagada a sua identidade e o seu pertencimento familiar, tornando-a apenas “a mulher arrastada”, desumanizando sua imagem, destituindo-a de seus saberes, suas memórias, seus sonhos, seus medos, seus afetos, sua espiritualidade… O ato  revisita a história contemporânea do genocídio da população negra no Brasil a partir de uma história individual para redimensionar os lugares de outras possibilidades de escritas.

 

O título da mostra – Mau olhado – bem olhado – parece indicar uma preocupação em discutir as imagens que se constroem em relação aos corpos negros. Essa afirmação faz sentido para vocês?
Acreditamos que sim, pois o título deste  processo que chamamos de Mau olhado – Bem olhado remete justamente a esse lugar de uma armadilha sobre como os resquícios de colonialidade produzem camadas naturalizadas de violências. E como isso impacta a leitura de mulheres e homens negros. Algumas questões que nós trazemos neste processo é o lugar político da família negra. Na mesma medida, como tecemos nossos afetos, nossos saberes, nossos sonhos, nossas espiritualidades, nossas histórias, nossas subjetividades. Pensar negritude como algo plural. Portanto, como desejamos contar as nossas narrativas a partir de nossas perspectivas. Esta é uma questão importante para nós: De que modo micronarrativas constroem uma história coletiva?

 

De que forma vocês acreditam que o trabalho caminha na direção de construir um novo discurso sobre a negritude?
Acreditamos que a nossa percepção sobre negritude parte de uma política de afetos e como essa política revisita tanto as relações familiares como os agrupamentos, os coletivos.  Para isso, torna-se fundamental repensar a negritude com uma reflexão sobre diferentes formas de representação em arte contemporânea. Isto pode ser observado nos trabalhos de outros artistas negros que compõe esta mostra. Outras perspectivas. Outras formas de manipular materialidades. Outras histórias de vida. O que torna importante pensarmos em diferentes estratégias de leituras de nossas produções de modo não engessado. O que é para nós negritude é pensar o lugar de refletirmos sobre o que é negritude. Então, achamos que esse é um lugar positivo de debate porque vemos de modo amplo o que é ser artista negra e artista negro.  Ao mesmo tempo, nós tentamos construir isso por meio de uma visualidade plástica que foge necessariamente de discursos correntes sobre negritude ou sobre trabalhos que são encarados como trabalhos que trazem a discussão de identidade porque tem x ou uma forma Y, portanto, definidos como produções mais relevantes do que outras formas de abordagem.  Enfim, tentamos construir esteticamente e eticamente a nossa forma de como entendemos o que seja negritude ou formas de negritudes em nossa poética.

 

Entrevista: Danilo Satou, Marcia Dutra e Vinícius Máximo
Foto: Divulgação

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