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Entrevistas

Programa de Exposições 2017: Raphael Fonseca

Raphael Fonseca no espaço expositivo de Bestiário (Créditos Fernando Netto)

Investigando a relação entre humanidade e animalidade, figura humana e monstruosidade, a exposição Bestiário ocupa a Sala Tarsila do Amaral até novembro de 2017. Estão presentes trabalhos de Tarsila do Amaral, Rivane Neuenschwander, Ângelo Venosa, Maria Bonomi, J. Borges, Tunga, Véio, José Bezerra, Nara Amélia, Alex Cerveny, Armando Queiroz, Eduardo Berliner, Erika Verzutti, Luciana Magno, Luiz Roque, Rodrigo Braga, Sofia Borges, Walmor Correa, Zé Carlos Garcia, Michel Zózimo, Anna Bella Gieger e Bane Huni Kuin.

Assinada por Raphael Fonseca, a proposta curatorial – selecionada pelo Edital Programa de Exposições 2017 – está pautada no diálogo entre as obras pertencentes à Coleção de Arte da Cidade de São Paulo e outros trabalhos de artistas brasileiros de diferentes gerações. Assim, a mostra tem uma perspectiva transhistórica e transgeográfica, que dialoga com a cronologia da constituição do acervo presente no CCSP e com uma possibilidade de narrativa em torno da história da arte no Brasil, como afirma o artista e curador.

O termo bestiário surge nos livros produzidos durante a Idade Média que reuniam coleções de monstros, animais fantásticos e selvagens. Com cerca de 100 obras selecionadas, o espectro de temáticas abordadas na exposição vai desde a religião, a colonização e a formação do nosso imaginário popular até as maneiras de lidar e pensar sobre a alteridade, o novo e o estranhamento na atualidade.

Como se deu o desenvolvimento da sua pesquisa para criar a mostra Bestiário?

A exposição partiu de um interesse que tenho há algum tempo acerca da relação entre a produção de arte/imagem e as representações do corpo humano. Desde que comecei a estudar na universidade percebo que pesquiso elementos que roçam essas questões e daí muito naturalmente nasceu esse interesse em prestar atenção em obras que sugerem novos tipos de corpos e que desconstroem isso que estamos habituados a chamar de anatomia humana. Há alguns anos apliquei um projeto para o Paço das Artes chamado “Curupiras” e que era uma reunião de sete artistas que lidavam com essas questões. Esse projeto foi ampliado e colocado em diálogo com a coleção da prefeitura de São Paulo, o que gerou a exposição “Bestiário” e a aprovação no edital do CCSP. A pesquisa tem se desenvolvido, então, há alguns anos e está baseada nessa fricção entre o humano e o não-humano que me parece muito comum nisso que chamamos de “cultura brasileira”. Uma vez que na coleção já havia vários exemplos de artistas de diferentes gerações e geografias que enfrentaram esse tópico, a pesquisa foi orientada em encontrar outros artistas que pudessem ecoar alguns grupos de obras centrais ao projeto. Encontrei muito material e muitas pessoas foram somando à pesquisa. Em um momento posterior, então, percebi que não faria sentido que a exposição fosse pautada em uma expografia mais clean; se estava lidando com essa carga da bestialidade e se tinha os gabinetes de curiosidade como uma questão da pesquisa, por quê não fazer uma exposição a mais cheia possível e explorando justamente esse excesso? Daí chegamos à forma de se expor que poder ser vista agora: as paredes pretas, as obras colocadas lado a lado com pouco espaço de respiração e os números que as localizam através de um guia de obras. Objetos de um lado, vídeos do outro.

O termo Bestiário surge nos livros produzidos durante a Idade Média que reuniam coleções de monstros, animais fantásticos e selvagens. Como criar uma identidade nacional a partir da reunião dessas obras e qual a importância da arte em tempos nebulosos como o que estamos vivendo?

Acho que as identidades nacionais são sempre forjadas; ou seja, são também ficções e, através da repetição, grandes grupos de pessoas passam a tê-las como verdades. De nenhuma forma a exposição tentou criar isso, mas sim de pensar como diferentes artistas atuantes no Brasil dialogaram com diferentes camadas dessas coleções de monstros. É interessante que na história do país há muitas sobreposições dessas bestas – desde relatos eurocêntricos sobre os animais marinhos aqui encontrados e vistos como monstros, até as cosmogonias ameríndias e afro-brasileiras que se relacionam com animais de maneiras narrativas e ritualísticas. A exposição tenta ecoar um pouco desses universos e mostrar que a experimentação em torno dessas questões é algo inerente ao humano – seja brasileiro ou não. Como algumas obras tocam em uma relação mais visceral entre os corpos e mesmo se associam a um imaginário demoníaco e mesmo anti-cristão, acho que, de modo sutil, “Bestiário” demonstra como as imagens oferecem operações artísticas e filosóficas pautadas na liberdade e na ficção. Não se trata certamente de uma exposição-protesto, mas um olhar mais atento perceberá que há imagens que refletem de modo crítico sobre o ato de se apontar para algo ou alguém e chamá-lo monstra(o). Quais razões levam a humanidade a fazê-lo e onde vivem esses monstros?

Sua pesquisa parece ter mais ligação com a História da Arte, por si só, do que com o “fazer curatorial”. Quando você decidiu atuar neste campo?

Toda a minha formação acadêmica se deu no campo da história da arte – graduação, mestrado e doutorado. Na metade do mestrado, quando comecei a trabalhar dando aulas no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, me deparei com a necessidade de lecionar sobre arte contemporânea.

Raphael Fonseca no espaço expositivo de Bestiário (Créditos: Fernando Netto)

Sempre tive problemas com a produção de arte dos anos 1960 para cá e essa obrigação me levou a estudar mais e, consequentemente, querer escrever e pensar exposições. Nos últimos seis anos, então, tenho experimentado nesses campos e cada vez mais me interessado por exposições não pautadas exclusivamente na “juventude”; ou seja, mesmo sendo enxergado enquanto um “jovem curador” e tendo diversos colegas artistas da minha geração, percebo que exposições como “Bestiário” acionam o meu lado historiador da arte e possibilitam cruzamentos não óbvios entre imagens e histórias. Esse tem sido meu interesse maior por enquanto e, para além disso, também tenho em desenvolvimento alguns trabalhos exclusivamente baseados em artistas já tidos como históricos que, uma vez mostrados no presente, ganham outra visão para suas obras e contribuem com seu maior conhecimento para a minha própria geração.

Entrevista e fotografia: Fernando Netto
Edição: Vinícius Máximo

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