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Entrevistas

Programa de Exposições 2017: Affonso Uchoa e Warley Desali

A mostra Sangue de bairro, que integra a II Mostra do Programa de Exposições 2017, apresenta uma coleção de imagens produzidas por Affonso Uchoa e Warley Desali no lugar onde cresceram, bairro Nacional, periferia de Contagem, Minas Gerais.

Reunindo três séries, passando pela fotografia e vídeo, a mostra representa quase dez anos de trabalho no bairro e é também a consolidação da parceria criativa entre dois artistas. Juvenalia Blues é dedicada à juventude do Nacional. Riocorrente trata da vida cotidiana. Desabrigo retrata o abandono e a solidão: objetos largados, espaços ruinosos, camas desfeitas. Tal olhar abrangente só foi possível pela proximidade dos artistas com aquela realidade. Como diz uma música dos Racionais MC’s: “só quem é de lá, sabe o que acontece”. Quem vem da periferia vê as coisas de lá de um jeito próprio, sem exotismo nem paternalismo ideológico. Sangue de bairro investiga um espaço íntimo para os artistas. Mas a pesquisa, aqui, é a própria pele, como experiência vital e não como estudo frio.

Confira abaixo a entrevista realizada por e-mail com os artistas.

 

Como se deu o processo criativo dos trabalhos que integram a mostra Sangue de bairro? E como teve início a parceria artística entre vocês?

Nossa parceria artística começa justamente na  Sangue de bairro. Era o ano de 2007. Nós morávamos no mesmo bairro e estávamos terminando a universidade e iniciando nossas próprias produções artísticas. Resolvemos criar algo juntos no nosso bairro, apostando que a nossa proximidade com aquela realidade podia trazer uma força diferentes pras nossas imagens.

               

O bairro onde vocês nasceram, na periferia de Contagem, é a base do trabalho que vocês desenvolvem. Como surgiu a ideia de transformar essa experiência em mote de pesquisa artística?

Em primeiro lugar, nós não nascemos no bairro Nacional. A nossa vida nos levou até o bairro e fez com que nós nos conhecêssemos justamente lá. Mas, mesmo sem ter nascido lá, temos uma relação íntima com aquele lugar. Conhecemos as suas ruas, temos amigos e parentes ali. Mas, mesmo com tamanha proximidade não impede que tenhamos alguma distância do bairro. Nossa vida foi e é muito diferente da maioria das pessoas que vivem lá. A gente fez faculdade, pirava muito em livro e filme, tá (teoricamente) vivendo de arte… Isso nos torna um pouco estranhos naquela paisagem. Então estamos no meio da encruzilhada: não somos manos de quebrada e nem somos turistas sociais; somos periféricos menos suspeitos, vamos dizer. Foi essa a base da nossa experiência: vamos fazer essa série pra poder conhecer melhor o lugar onde a gente vive e tentar romper essa distância que temos diante do bairro. Essa série, assim como os filmes que fazemos ou as pinturas e outros trabalhos artísticos, é nossa maneira de viver uma vida diferente da que temos. Se não somos propriamente os manos, vamos aproveitar que moramos a duas ruas deles e poder ver eles bem de perto.

 

De que modo Sangue de bairro convida ao público a olhar para a periferia livre de exotismo e do paternalismo ideológico a que vocês se referem no texto de apresentação da mostra?

Tem a ver com o que dissemos na última pergunta: o fato de morarmos no bairro e conhecermos com mais intimidade a periferia nos ajuda a produzir imagens diferentes daquele lugar. Estudamos nas mesmas escolas de todo mundo, vivemos coisas juntos… tudo isso faz com que possamos olhar pra essas pessoas para além do clichê, fora do discurso social. Quando a gente faz alguma coisa no bairro, não queremos denunciar nada, queremos dar a ver a força da vida de quem vive ali.

 

De que forma o espaço periférico de uma cidade do interior difere da realidade das periferias das grandes cidades?

Contagem tem quase 700 mil habitantes e está distante apenas 20 km de Belo Horizonte, uma das maiores cidades do Brasil. O bairro Nacional é uma periferia de cidade grande.

 

Entrevista: Fernando Netto

Foto: Affonso Uchoa e Warley Desali

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