As diferentes faces do amor de Mia Hansen-Løve

Para todos os amantes: o amor não é fácil. E todos que já passaram por ele sabem que a experiência pode ser, ao mesmo tempo, destruidora e construtora. Amar nunca foi fácil e sofrer de amor é uma tendência cultural que observamos desde Werther. Contudo, o amor é uma construção — e aqui não digo apenas o amor por outra pessoa, mas em seu sentido mais amplo: o amor próprio, o amor pela carreira, o amor familiar, o amor de amigos, e assim por diante.

O amor possui camadas e amar envolve tudo e todos. Existem poucos cineastas que conseguem captar a essência desse substantivo, entre eles a diretora francesa Mia Hansen-Løve, que consegue filmar todas as formas de amar em seus filmes. Para ela, porém, o amor está longe de ser algo simples. Gosto de pensar que ela traduz esse sentimento como uma ruína: sobrevive às intempéries, mas sobrevive sendo belo na junção e na forma que a natureza dá a ele. E não é à toa que sempre há um personagem indo visitar uma ruína em seus filmes.

É difícil traduzir suas histórias em palavras: os roteiros que ela constrói são minuciosos. Ficamos com vontade de habitar aquele universo por mais tempo. Em seus longas existem diversos caminhos nos quais a narrativa se desdobra e que acabam nos surpreendendo. Mas o personagem principal de seus filmes, o amor, não deixa escapar uma pessoa inteira. Então é ele quem seguimos na narrativa. E o amor, sabemos, é algo que transforma; os personagens e nós mesmos.

Em seu primeiro longa, Tout est pardonné (2007), temos o relacionamento de um homem com as drogas, de uma mulher com esse homem e de uma filha com esse pai ausente. A intensidade das relações que Hansen-Løve coloca em tela não é decifrável em um primeiro olhar. As conexões são profundas e, mesmo em menos de duas horas de filme, acompanhamos os desejos e os pensamentos desses personagens de perto, nos identificamos e nos repelimos em um trabalho de projeção psicanalítica muito bem estruturado. E os vemos evoluir diante de nossos olhos.

Já em seu segundo longa, O pai dos meus filhos (2009), acabamos entrando em contato com um pai e produtor cinematográfico extremamente apaixonado por seu trabalho. Vemos também um pai que nutre um amor pelas três filhas e pela vida em família com sua esposa, mesmo que possamos perceber que esta está em segundo plano. Mas é o amor que esse pai nutriu pela família que vai levar o caminhar da história para o descobrimento de uma nova força de união entre essas quatros mulheres.

Em Adeus, primeiro amor (2009), o filme de natureza mais romântica de Hansen-Løve, nos encontramos em meio a um longo e doloroso percurso de primeiro amor. Acompanhamos Camille e Sullivan desde os 15 anos, em suas primeiras descobertas amorosas, até que Sullivan decide partir para uma viagem na América do Sul e acaba deixando para trás toda essa potência da paixão e com ela todas as possibilidades do que poderia ser.

Com passagens do tempo bem precisas, uma marca de seus filmes, a diretora nos conduz a acompanhar a história desses personagens e desvendar por meio de cartas (outro traço bem forte em seus filmes) o que os acomete. E sintetizando bem a intensidade desse que eu chamo de personagem principal de Hansen-Løve, Camille diz a Sullivan em um momento: “Você está em mim como uma doença”. Mas o amor, enfim, é algo que nos impulsiona a continuar?

Talvez seja isso que Hansen-Løve nos mostra em seus filmes. Como o amor pode tomar conta de nossas vidas, como uma paixão pode nos transformar e como nos tornamos eternamente adolescentes diante desse sentimento. Amar chega até a ser viciante.

Em seu filme mais otimista, Eden (2014), ela retoma a questão das drogas, não como em Tout est pardonné, em que a droga tem um papel importante na destruição da família, mas aqui a droga entra como uma recusa à vida adulta. E o longa nos coloca na paixão do personagem Paul pela música. As mulheres passam pela vida de Paul como se fossem apenas algo natural de estar ali, mas percebemos que sempre há uma transformação deixada por elas. Ainda assim nada é mais forte que a paixão de Paul por ser um DJ. As pessoas podem passar, as dívidas podem aumentar, mas seu desejo mais forte, pela música, é o que impulsa sua vida.

Partindo por outro caminho, cinematograficamente mais maduro, Hansen-Løve discute o amor intelectual em seu longa mais complexo, O que está por vir (2016). Nós nos colocamos na pele de uma professora de filosofia que é apaixonada pela intelectualidade. Ama seus livros e admira um ex-aluno filósofo que está em vias de se tornar um pensador. Mas vemos também alguém que vai lidando com as frustrações da realidade, como se esse amor estivesse mostrando a ela que toda a idealização que ela construiu sobre sua vida precisasse ser revista. Afinal, amar nos torna idealistas, no sentido platônico do termo.

Podemos sentir o peso que o amor causa e o impacto que isso gera na vida de todos esses personagens. Quando algo desvia do ideal, o mundo todo se retrai e parece que vamos perder o controle junto das notícias fatídicas que acometem todos eles. O suicídio, a morte, a traição, a falência, o término, o vício, etc.

É importante pensarmos que o cinema de Hansen-Løve é uma forma de afeto para nossas almas. É uma demonstração de que, apesar do sofrimento que podemos sentir quando o amor acaba, ele é algo que nos move. E é assim que em geral ela acaba seus filmes, com uma cena em que um personagem se atira em direção a algo, meio sem pensar direito nas consequências, meio em direção a um futuro, mas, com toda a certeza, na direção de algo que o move. E Hansen-Løve não nos deixa esquecer o mais importante: o amor, no fim das contas, não está no outro, mas em nós mesmos.

 

Texto: Caio Narezzi (doutorando em estudos cinematográficos pela Université Lumière Lyon 2 e pela Université de Montréal, colabora mensalmente com o site do Centro Cultural São Paulo)
Revisão: Paulo Vinicio de Brito
Ilustração da capa: Beatriz Vecchia (a partir de imagem de divulgação do filme Adeus, primeiro amor)

 

*Publicado em 12 de dezembro de 2018

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